Friday 6 August 2010

Mad Men - "It's toasted!"

Parece que já está no ar desde finais de 2008 e só agora, quase dois anos depois, é que descobri a proverbial pólvora.
Estou obcecada com isto por muitas razões, entre as quais, and in no particular order, os quadros no escritório da antiga agência de publicidade Sterling Cooper, o guarda-roupa das secretárias (que concerteza me fará bocejar de tédio na próxima vez que puser os pés na Zara), a interacção entre homens e mulheres, aqueles beijos intermináveis em que a interveniente feminina tem os lábios besuntados de baton vermelho e ainda assim não mancham a cara do masculino. Sugere ainda o tratamento dos cidadãos afro-americanos e, embora muito pouco, a questão da homossexualidade (que se ainda hoje é um bocadinho indigesta, na altura devia era um monstro multicéfalo. E depois, para além de tudo isto, há ainda a figura de Don Draper. Suspiro.

Primeiro, como disse, foram os quadros. Uma licenciatura, um mestrado e meio projecto de investigação de doutoramento não me qualificaram para identificar mais do que um belíssimo Mark Rothko, vermelho e amarelo, na sala do presidente da agência. A câmara passa por ele sem prestar muita atenção, sem o bajular, ainda que nos anos 60 Rothko fosse já um artista muito procurado, como sugere a encomenda do Seagram Building (desenhado por Mies van der Rohe), mais precisamente do seu chiquíssimo restaurante Four Seasons.  Tirando o tal Rothko, há mais alguns quadros muito interessantes, todos com aquela composição abstracta 'all over', em que não se compreende limites de forma nenhuma, mas uma profusão de linhas a a preencher o plano pictório, muito ao jeito do pós-guerra americano. Uma delícia. (nota: ao que parece o mobiliário é uma espécie de best of do melhor design da época)

O próximo na lista é o guarda-roupa das secretárias; e por falar em secretárias, há a personagem Joan Halloway, toda ela lips, tits and hips. Hoje vestimo-nos mais ou menos livre e descomplexadamente, e mesmo sem discorrer sobre as conquistas do meu género no campo da paridade, e sem problematizar muito a questão,  não consigo conter um certo fascínio pelo efeito que as roupas da época têm nos outros. Cinturas minúsculas, muito busto, ênfase nas ancas... e os ombros à vista, os tornozelos descobertos. Não sei se uma mini-saia é mais interessante, sinceramente. Não digo nada de novo ao referir aquela coisa do mistério, que é preciso tapar aqui e ali para deixar alguma margem para a imaginação e que revelar tudo de mão-beijada é meio caminho andado para que o interesse se esvaneça. O guarda-roupa desta série é o argumento mais forte que alguma vez vi a favor da relação proporcional entre imaginação e vestuário. E aquela Joan Halloway, tem uma silhueta de fazer corar uma cordilheira.

Embora poderosíssimas na forma como se apresentam, as mulheres são tratadas com um tipo de condescendência que, nos dias de hoje, é difícil de engolir. São chamadas de 'sweetheart', 'red' ou 'ginger', dependendo da cor do cabelo, ou simplesmente 'girl'. Poucas são as vezes em que se ouve um dos homens a chamar a secretária pelo nome. Um nome define-nos, certo? Eu sou a Ana, ou sou a Maria, ou a Sónia. Uma pessoa dirige-se a mim e trata-me pelo nome que me foi atribuído, como que um resumo da minha identidade, que é sempre um complexo conjunto de coisas. Mas ali, não. Ali a identidade das raparigas é uma coisa muito plana, muito reduzida: rapariga, ruiva, etc. É a mesma coisa do que chamar preto a alguém. É reduzir a identidade daquela pessoa a uma característica física sua, e assim negar-lhe a sua complexidade individual. Obviamente, escusado será dizer que não há exemplo de alguém (na série ou fora dela) tratar um homem por.. uh, homem. Ou loiro. Ou grisalho.
Há, contudo, a personagem de Peggy Olson, uma rapariga que começa por ser secretária mas que, por demonstrar uma inteligência excepcional (e graças à abertura do chefe Don Draper), acaba por se tornar uma enorme promessa no âmbito do copywriting, conquistando mesmo um estatuto igual ao dos seus colegas homens e o seu escritório pessoal. É a mais feiinha de todas; suponho que está aí um complexo por desconstruir.

Peggy, ainda que feiinha, ou menos deusa, porque é isso que as outras são, são umas deusas, elas todas, tem direito a alguma acção com o colega Pete Campbell e um ou outro estranho, entre outros. Pete Campbell é casado. Há MUITO, mas MUITO adultério nesta série. Eu não percebo nada de adultério e não tenho curiosidade, mas se tivesse, creio que estaria satisfeita por agora. O tal Don Draper (um McDreamy versão vintage, misterioso, bonito à moda antiga, um personagem complexo e profundo) tem uma mulher que é deslumbrante elevado a um bilião de infinitos, e ainda assim pula a cerca a cada rabo de saia com que se cruza. É preciso mencionar que ele tem bom olho e que as escolhe a dedo. Mas a  que tem em casa é um assombro de mulher. Isto leva-nos à questão dos beijos sem borrar o baton. É das poucas vezes que me dou conta de que é só ficção (na vida real não há hipótese), porque de resto, é provavelmente a série mais absorvente que alguma vez vi.

Quando consigo descolar, dou-me conta que o mundo contemporâneo ganha numas coisas (coisas muito boas e muito importantes, note-se) e perde noutras. Ganha certamente na igualdade de género, o que não quer dizer que não haja mais nada por conquistar, nas questões raciais (idem), e nos preconceitos em geral. Por outro lado, perdeu-se um certo charme, perdeu-se uma forma de agir em detrimento da sede do imediato e da gratificação instantânea. Concedo que os argumentos que acabei de propor são pobres, mas de qualquer maneira, acredito mesmo que há aspectos nesta série que realmente oferecem uma nova perspectiva sobre o ano 2010.

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