Monday 9 August 2010

Questão Fracturante da Semana - Droit de suite

É hoje que inicio uma espéc'e de rúbrica semanal, a Questão Fracturante da Semana. Embora tenha dúvidas se serei capaz/terei pachorra para dar continuidade à mesma de forma sistemática, ontem deparei-me com um debate muito interessante que realmente me dividiu; o assunto em questão chama-se, em inglês, 'artists resale rights' ou, no original francês 'droit de suite'. Não descobri ainda maneira melhor de dizer isto na língua de Camões para além de 'direito de sucessão', mas se algum de vocês souber, que tenha a bondade de me elucidar.

O direito de sucessão tem vindo a criar uma cisão entre os que, de alguma forma, estão envolvidos no comércio da arte, sejam eles galeristas, coleccionadores ou artistas. Em Portugal não me deparei ainda com nenhuma discussão, mas lembro-me do assunto surgir na cadeira de Art Business (cujo professor foi, possivelmente, a figura mais inspiradora do meu percurso académico, o mítico Henry Lydiate) e de recentemente me chamar a atenção no Art Newspaper.

E, without further ado, o droit de suite resume-se a quê? Primeiro, é preciso contextualizar a coisa: imagine-se, por exemplo, um situação em que o coleccionador X vai à galeria Y e compra um quadro do artista Z por 500 euros, numa altura em que ainda ninguém ouviu falar do artista Z. Numa situação deste género, o coleccionador X apenas compra o quadro de Z porque gosta dele, porque 500 euros é uma verdadeira pechincha. Se o coleccionador X comprasse com o intuito de vender no futuro, e com isso ganhar dinheiro, não o faria num artista completamente desconhecido.

Contudo, anos mais tarde e por alguma razão, o artista Z tem a sorte de ver a sua obra  reconhecida pelas instituições e pelo mercado, o que faz com que um quadro seu deixe de valer 500 euros, passando a valer 100.000. O coleccionador X, que anos atrás comprou o quadro do artista X por 500 euros, decide vendê-lo, obtendo assim um lucro de 99.500 euros. É aqui se entra a questão do droit de suite: é legítimo o artista X ter direito a uma parte deste lucro?


A coisa bifurca-se, de grosso modo nas duas seguintes perspectivas: a do coleccionador e a do comerciante. O coleccionador pode argumentar que o droit de suite é uma violação da propriedade privada, que cada um tem o direito de alienar aquilo que é seu; que os artistas que se queixam de ficar de fora nesta escalada de preços são os que já são ricos, e que não estão a fazer mais do que barafustar com os coleccionadores que, anos antes de se tornarem famosos, apreciaram e apostaram no trabalho deles; que o droit de suite só se aplica a obras de arte acima de um certo valor, pelo que a ideia do artista pobre e explorado   não encontra nisto uma solução; que o artista devia, na verdade, regozijar-se com o facto de o seu trabalho passar a valer muito mais do que valeu há tempos, pois significa que os próximos quadros que produzir serão muito mais valiosos do que tinham sido até então.

Do outro lado do ringue, o comerciante ou galerista vê a coisa de outra maneira. É mais provável que defenda a perspectiva de que é algo indecente que alguém obtenha lucros significativos graças ao trabalho de um artista vivo. A ausência deste tipo de legislação obriga a que as transacções sejam feitas de forma mais obscura e silenciosa, uma vez que não convém que se saiba quem compra e vende o quê. Quando se descobre (o mundo da arte é sensivelmente do tamanho de um penico), é o fim-do-mundo-em-cuecas. Convém muito mais ao galerista que haja droit de suite porque é ele o intermediário entre coleccionador e artista, e caso lhe fuja a boca para a verdade, quem sabe numa vernissage, depois de um copito de Ruinart a mais, tem as costas protegidas por uma legislação que o obriga a ser transparente.


Ora, eu ainda não escolhi de que lado estou. Parece-me que cada um dos intervenientes tem razões perfeitamente válidas do seu lado, já para não dizer que sou a favor do reconhecimento do artista quando  o seu trabalho é valorizado no mercado. Sem o artista, o trabalho não existiria, logo, nem o galerista nem o coleccionador fariam dinheiro. Contudo, este irá beneficiar no futuro, se continuar a produzir e a fazer circular os seus quadros no mercado. Afinal, segundo o site ArtLaw  (do prof. Lydiate), é apenas uma pequena porção que reverte para o artista; embora, se é uma pequena porção, o coleccionador não deveria oferecer tanta resistência na hora de abrir mão dela. Enfim, o que é pequeno e o que é grande?


A Inglaterra e o estado da Califórnia já aprovaram o direito de sucessão. Nova Iorque, por exemplo, está de fora. Which side of the fence are you on?


                                      

No comments: