Sunday 27 March 2011

Uma boa ideia mais uma série de outras notas

Tenho andado rabugenta, para não dizer completamente podre, com os vizinhos de cima, desde o dia em que me mudei para este T2 nos Prazeres. As razões prendem-se com o facto de viver num prédio de 1930, com chão de madeira e, last but not least, com os graciosos passos de elefante, (correspondentes a um 9 na escala de Richter) da senhora que vive por cima. Costumo dizer, sem ponta de exagero, que por cima de mim vivem o King Kong e o Godzilla, tal é a forma como a minha casa treme a cada vez que os répteis lá de cima dão um passinho. Cresce-me um fervor homicida por aqui a cima só de pensar. Grr.

Assim, e porque levo com isto há meses (e pago a minha pequena fortuna de renda sem um segundo de atraso), desde as 8 da manhã até a partir do momento em que chego do trabalho, e já para não dizer que não há um minuto de silêncio ao fim de semana, ocorreu-me começar um blog onde as pessoas pudessem partilhar as suas más experiências em casas alugadas. Talvez assim os que planeiam tornar-se inquilinos algures em Lisboa tivessem um sítio onde se pudessem certificar de que o imóvel não estaria na lista negra (quer por causa do barulho, ou por algum vizinho anti-social, ou porque os níveis de radão são elevadérrimos e ainda por cima tem uma infestação de pulgas carnívoras, sei lá, qualquer coisa desde que não seja mentira ou abertamente difamatória). Gosto tanto da minha ideia que de hoje não passa.

Felizmente, em breve irei dizer adeus  para nunca mais aos meus ilustres vizinhos,  ávido comedor de bolo-rei, Prof. Cavaco mais a sua Senhora, e vou, felicíssima, de tralhas e bagagens para um appartement maneirinho ali para os lados do Chiado. Um último piso, que é para nunca mais levar com criaturas que quiçá tenham passado ao lado de uma brilhante carreira como percussionistas dos Stomp.




Agora numa nota completamente diferente: fui ver o último do Godard, o Filme Socialismo. Fiz figura de imbecil por duas razões. Senão vejam (e julguem-me quanto quiserem, que eu mereço): em primeiro lugar (e esta não conta senão a soma dava três), fui cheia de convicção e a sentir-me esperta e intelectual comó raio, ver o novo do Jean-Luc porque tinha adorado o A Bout de Souffle e o Pierrot Le Fou. Eram filmes que me tinham alargada horizontes, feito sonhar e me tinham enriquecido a sensibilidade, pelo que achei que a coisa nunca poderia correr mal. Contudo, a coisa tornou-se vergonhosa quando, ainda que soubesse que ia estar diante de 140 minutos de uma sublime experiência cinematográfica, fui na mesma buscar um balde de pipocas Menu Super Mega Épico.
Problema nr.1.: comer pipocas durante um filme para intelectuais - PÉSSIMA IDEIA. Muito mau aspecto. Naturalmente, quando me viram subir pelas escadas acima de balde debaixo do braço, todos aqueles finórios com cabelos desgrenhados e óculos de massa estabeleceram para si mesmo que eu era uma totó qualquer que se enganou na sala e que tinha pago o bilhete para ver o Titanic 3 e nem QI tinha para achar a sala certa. Felizmente, esta auto-estima à prova de desdém e ter avançado com confiança para o meu lugar. Também ajuda ter desenvolvido uma sofisticadíssima técnica para comer as ditas pipocas: quando há silêncio no filme deixo-me estar quietinha e quando há barulho enfio tantas quanto puder na boca e mastigo-mastigo-mastigo. Não falha.

Entretanto começa o filme e começo a ver o que só sei descrever como um delírio senil em três tempos, completamente feito para dentro, falas absurdas e crípticas, citações literárias obscuras e um trabalho dramático pretensioso e assim a dar para o artistinha, imagens a oscilar entre o digital top-notch e o vídeo sacado do telemóvel, enfim, olhem, só de enumerar estas coisas já espumo um bocado da boca. Resta apenas dizer que se não fosse um lama e um burrinho no meio de uma bomba de gasolina, nada naquele filme se teria aproveitado. Perguntem à minha vizinha do lado, que viu grande parte do filme para dentro.

A segunda e derradeira vergonha desta experiência foi a altura em que fui persuadida a sair da sala pelo namorido, farto daquela pantominice toda. Argumentei eu com fervor: "Estás louco! Viemos para aqui com pipocas, já estabelecemos aos olhos destas pessoas que somos uns anormais, queres mesmo dar-lhes mais razão, saindo antes do fim??", mas lá acabei por ir, com os olhos pregados ao chão e o rabinho entre as pernas, pelas escadas da sala abaixo, sentindo balas de desprezo intelectual a atingir-me nas costas, sem pingo de misericórdia.

Depois cheguei cá fora, chamei nomes feios ao Godard por ter estragado a minha comemoração de jantarinho e cinema por termos conseguido a casa dos meus wildest dreams, e lá fiquei contente por já não estar a levar com aquilo. Volta Pierrot, estás perdoado.



E agora a propósito de uma coisa que não tem nada-nadinha a ver, mas que não pode passar sem referência, tenho que professar publicamente o meu mais recente desejo de consumo:


(foto da maravilhosa Garance Doré.


Não são um par da mais absoluta perfeição? São as cores, a textura entrelaçada, o cheirinho a outros tempos... São Prada e são divinos, como bem se vê.



E prontes, já está dada esta muito tardia desenferrujadela ao blog (btw, nunca cheguei a ir às duas aulas de pump e rpm pomposamente anunciadas no post anterior, pff, claro). Havendo vontade, hasta la proxima, leitores [som grilos]