Wednesday 16 June 2010

A subjectividade

Tenho ganas de compreender como é que, desde os anos 90, nos viramos tanto para nós mesmos. Reparem: desde então, tornámo-nos sedentos sobre o que se passa na esfera privada de indivíduos comuns, papamos desalmadamente reality shows, talk shows pejados de confissões sórdidas, revistas cor-de-rosa, etc, etc, etc. O que é que obter informação sobre a vida dos outros acrescenta à nossa? Eu própria faço-o também (basta que vejam o meu post anterior...), mas continuo sem compreender porque é que o faço. Tenho, contudo, as minhas suspeitas:

a) Já ninguém acredita em Deus nem no Pai Natal;
    É possível que tenhamos chegado a um extremo miserável do que foi outrora o humanismo; tudo o que está à nossa volta, bom ou mau, foi construído graças à visão e ciência do Homem, logo, está cada vez mais difícil encontrar alguém que se veja como um elemento passivo num desígnio divino favorável. Assim sendo, e já que afinal os heróis somos nós todos, é possível que vejamos em pessoas iguais a nós (e às vezes piores ou muito piores que nós - sim, Marco do Big Brother, estou a falar também de ti) uma espécie de referência.

b) Procrastinação ou a Arte de Adiar  Fazer o Que Tem Que Ser Feito;
    Por outras palavras, 'marxismo'. Diz a teoria Marxista que o entretenimento serve para nos toldar a razão, para nos emudecer perante a opressão do capitalismo. Não fazendo caso do radicalismo do Sr. Bigodes, acho que os Media demonstram ser muito conhecedores do consumidor; muitas vezes farto dos problemas do trabalho, chega a casa estafado de pensar em orçamentos, em facturas, em notas de encomenda e com a cabeça ainda a latejar da última rabecada do chefe, por isso, que melhor consolo haverá do que ver o programa mais estúpido que aparecer? Ou seja, o consumidor/espectador dificilmente chega a casa e procura informação (para dados objectivos, comparar audiências da TVI e RTP2), quer é esparramar-se ao comprido e ver a senhora que nasceu  sem braços e sem pernas no programa da Oprah. O extraordinário, suponho, em vez de nos inspirar, confronta-nos com a nossa própria mediocridade, da mesma forma que o ordinário estabelece uma ideia de normalidade na qual nos encaixamos facilmente - isto assegura-nos que tudo vai bem com a nossa vidinha. Ou seja: os senhores que puxam os cordelinhos nos Media são mesmo espertos e topam-nos a milhas: com estes programas e estas revistas, tratam-nos como bebés pequeninos: põem-nos à frente de um espelho e nós ficamos rendidos, horas a fio, a brincar com a (nossa) imagem reflectida à nossa frente.


Isto tudo porquê?

Isto tudo porque hoje fui comprar uns cremes (quando me pareceu que o meu Clinique para a cara estava a esvair-se de dia para dia, fiquei a saber que o que faltava no boião estava na cara do namorido), e enquanto procurava o que queria, fui interpelada por uma funcionária da loja a oferecer-me uma amostra de um anti-celulítico, acompanhado das devidas instruções de uso "passa nas pernocas, esfrega no rabiosque". Até aqui, no problem, só foi chato é que hoje acordei com tal bravado que me fiz à rua de vestido curto, num exercício de auto-aceitação e com esperanças de apanhar uma corzinha. E depois vem ela sugerir que eu tenho um problema ao oferecer-me uma solução para ele. Eu preciso é de um milagre, filha! E já agora, se não for muito inconveniente, que não me lixem a cabeça por causa das 'pernocas' e do 'rabiosque'. Mas, como dizia, isto tudo porque, considerando este espisódio, me questionei sobre qual seria, realmente, o interesse de falar sobre isto no blog. Tipo, who cares? Possivelmente, absolutamente ninguém, mas a verdade é que um blog é um espaço de subjectividade (logo, de voyeurismo?). Por isso é que é legítimo vir para aqui dizer que hoje passei pelo recreio do infantário na Àlvares Cabral e dois meninos, dois mini-snipers de bata aos quadradinhos, me atingiram a tiro invisível com as suas mãozinhas em posição de pistola, e que depois, tendo sobrevivido a tal ataque, vi aquela anedota daquele jogo de futebol num tasco no Bairro Alto.



Um dia destes, e ainda a propos deste assunto, falo-vos de um artista que eu adoro, adoro, adoro, que se chama Richard Billingham. Para já, deixo-vos para aqui uma imagem do seu livro 'Ray's A Laugh' (que está ali na minha estante, o que largamente contribui para a minha felicidade), para irem pensando sobre o assunto, se vos der para isso.

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